Língua de povo indígena da Amazônia é considerada a mais difícil do mundo
Três vogais, seis consoantes e sem tempos verbais além do presente. Essa é a configuração da língua pirarrã (ou pirahã). Considerada a única viva do tronco linguístico Mura, é falada pelo povo de mesmo nome, os Pirahã, que vivem no sul do Amazonas.
Diferentemente de outros povos indígenas, os Pirahã seguem uma lógica distinta: eles não possuem um sistema numeral, não diferenciam cores (apenas mais claro ou mais escuro) e não possuem nenhum deus ou mitologia.
A língua pirarrã tem entre 150 a 400 falantes e é uma incógnita para pesquisadores até hoje. É considerada a mais difícil do mundo!
Atualmente, o povo Pirahã está distribuído próximo ao município amazonense de Humaitá, ao longo de oito aldeias nas margens do Rio Maici. Eles são considerados monolíngues, ou seja, na estrutura social falam apenas um único idioma, além de serem seminômades, isto é, migram de região esporadicamente.
A língua de três vogais
Uma das suas principais características se dá por ser o idioma com a menor quantidade de fonemas. São utilizadas apenas as vogais A, I, O e as consoantes G, H, S, T, P e B. Tudo é falado no tempo presente, não existe futuro ou passado.
Isso reflete o fato de não possuírem mitos de criação ou lendas. Na concepção dos Pirahã, o universo, o céu e a Terra sempre existiram. Eles não acreditam em nada que não possa ser provado, visto ou sentido.
Não existem orações subordinadas, nem numerais ou cores. Em relação à noção unitária, referem-se à ‘pouco’ ou ‘muito’. Sobre as cores, a referência é ‘claro’ e ‘escuro’. Todos esses conceitos são relacionais.
Vale ressaltar que, pela estrutura social, apenas alguns dos homens podem se expressar em nheengatu ou em português. As mulheres se comunicam apenas pela língua pirarrã.
Língua tonal
De acordo com registros do Instituto Socioambiental (ISA), a língua é classificada como tonal e, por isso, pode gerar modos de comunicação específicos, como por meio de gritos, assobios e o ‘falar-comendo’.
“O grito permite a comunicação a grande distância e, em geral, é usado nas conversas travadas quando estão navegando em uma ou mais canoas pelo rio. A comunicação por meio de assobios ocorre em expedições na mata ou no rio, quando as vozes poderiam colocar em risco o objetivo da expedição”, explicou o instituto.
Assim, os Pirahã são capazes de expressar palavras e frases com o recurso dos assobios. O “falar-comendo” é a terceira possibilidade de estabelecer comunicação por meio dos tons, assim, enquanto mastigam, podem continuar conversando.

O missionário que virou ateu
Um dos principais pesquisadores da língua foi o linguista estadunidense Daniel Everett, em cerca de 12 artigos. Ele foi responsável por identificar e elaborar a gramática pirarrã em 1986, após viver sete anos com o povo indígena entre os anos 1970 e 1980.
Mas, apesar de ser linguista, Everett conviveu com o povo por outro motivo. Na década de 1970, ele era missionário cristão e tinha a tarefa de traduzir a bíblia ao idioma pirarrã.
Entretanto, depois de entrar em contato com a cultura do povo e ideais, como o fato de não falarem no passado, porque o passado “já foi”, ficou surpreso com a estrutura social e linguística dos Pirahã e, por isso, tornou-se ateu.
Por mais de três décadas e até hoje, Everett estuda línguas tradicionais do Brasil e tem dois livros que são referências no tema: ‘Don’t sleep, there are snakes’ (‘Não durma, pois há cobras’, em tradução livre), em que lembra da noite a qual os Pirahã tentaram matá-lo; e ‘Linguagem: A História da Maior Invenção da Humanidade’, de 2019.
Com informações de Isabelle Lima, do Portal Amazônia